quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Analfabetismo: uma realidade que vai além dos números

Filme "O Leitor"


Muito se fala sobre novas formas de “combater” o analfabetismo, mas muito pouco têm resultado dessas tentativas de construir um espaço cada dia mais amplo e qualitativo na educação de jovens e adultos. O número de evasão dentro dessa modalidade de ensino têm sido assustador, e quando não, a educação é direcionada apenas para a qualificação, para o campo de trabalho, desconsiderando o lado social e humano no qual a educação deveria também se direcionar.
Pois bem, se estamos falando em desistência, em falta de qualidade no ensino, necessitamos refletir o que pode estar ocorrendo de errado e o que possivelmente poderia ser feito para melhorar essa situação.
No filme, entitulado “O Leitor” (vale a pena dar uma olhada) , podemos presenciar a história de Hanna, uma mulher analfabeta que, por vergonha de sua condição, fugia de todos os lugares em que se inseria, trabalho, romance, para que não fosse descoberta em sua “falha”. Ainda no fim do filme a mesma optou pela condenação judicial a revelar seu analfabetismo.
Iniciarei então, considerando o ser humano que está por trás da pessoa analfabeta, sim, pois devemos considerar pessoas, contextos, ao invés de apenas números, a refletir sobre o que ocorre nas pesquisas feitas sobre analfabetismo.
GOMES, falando sobre os dados apresentados sobre analfabetismo no Brasil expressa:
Esses sujeitos da exclusão são rostos esmaecidos e identificados por números em estatísticas sem que intensamente se questionem os contextos históricos e sociais promotores da desigualdade. Vidas contadas a partir daquilo que lhes falta e da imagem socialmente construída de que estes sujeitos da exclusão são pessoas “acomodadas”, “sem motivação”, “sem perspectiva de vida”. ( 2010,pág. 4)

Assim como Hanna, muitos desses analfabetos sentem-se envergonhados e inferiorizados frente ao resto da sociedade que domina o mundo da leitura e da escrita. São seres humanos nos quais não pensamos sua história, o porquê estão ali, como chegaram ali. Essas pessoas são pré-conceituadas apenas como pessoas pobres, na maioria das vezes negras, “ignorantes”, incapazes de gerir sua vida com autonomia, afinal, não sabem ler.
Esse estigma alcança a própria escola e inunda toda essa comunidade, inclusive professores. Os alunos que estudam na EJA sentem-se diferentes, e são tratados como tal dentro da escola, no geral ficam sempre com as piores salas, não possuem recursos, muitas vezes são tratados como burros, e também a eles é direcionado um trabalho pedagógico infantilizado.
Como ter vontade e conseguir aprender dentro desses contextos? Porque esse estigma tão ultrapassado e desrespeitoso? Os sujeitos que estão na EJA, ao contrário do que se é transmitido, são pessoas que merecem o total respeito, são trabalhadores, seres humanos que possuem muita experiência e muito conhecimento para compartilhar, são batalhadores, aqueles que lutam por uma vida mais justa e por direitos que lhes foram negados no tempo dito correto.
Se não conseguirmos considerar o caráter humano dessas pessoas, a evasão ocorrerá certamente. E é pensando nessa evasão que podemos começar a pensar um trabalho mais direcionado ao adulto, onde o professor não apenas conheça o contexto em que está inserido seu aluno, mas que considere essa realidade. É também através desse trabalho mais direcionado ao adulto que os alunos despertarão interesse pela escola, percebendo que ali é também um lugar deles, a assim sentindo-se parte desse espaço.
Existem também outros fatores que devem ser refletidos aqui como influenciadores na situação de pouca qualidade no ensino da EJA. Fatores esses como a subestimação do analfabeto. Quantas vezes já ouvimos alguém dizer, principalmente o próprio analfabeto, que não consegue mais aprender, pois já passou do tempo, já está velho?
Essa é uma realidade tão presente em nossa sociedade que já se transformou em um fator determinante na inserção dessas pessoas nos processos de alfabetização de jovens e adultos. A sociedade alfabetizada, por ter crescido em meio ao mundo letrado, acredita ter mais capacidade de aprendizagem que uma pessoa analfabeta, mas será isso um fato?
Para GOMES,
O discurso que sugere que pessoas analfabetas têm poucas condições de expor seus pensamentos, de reivindicar seus direitos, de se organizar é o que, justamente, acaba por produzir a idéia de que quem não sabe ler nem escrever, por suas poucas condições de pensar sobre a realidade, deixará sempre nas mãos daqueles que são alfabetizados a procuração para representá-lo socialmente. Afinal, um analfabeto, de acordo com esse discurso, não pode ser capaz de fazê-lo. (2010, pág. 5)

Quantas vezes já ouvimos histórias de pessoas analfabetas que aprenderam a ler as horas, a contar e até mesmo ler textos sem o auxilio da escola? Apesar de alfabetizados, não somos mais capazes, em alguns casos sabemos que o analfabeto tem maior poder de memorização que nós, pois nós temos o auxilio da escrita para registro, e o analfabeto se utiliza apenas da memória para não esquecer.
No filme o qual citei, temos um exemplo de aprendizagem autodidata. Hanna, através de livros e das fitas que seu amigo lhe manda consegue aprender a ler e escrever pequenas frases. Dessa forma, ainda é possível se duvidar da capacidade dessas pessoas?
Por fim, gostaria de salientar que quando falamos em educação para jovens e adultos, falamos no auxilio na formação de cidadão críticos, de sujeitos capazes de reconhecer e fazer valer seus direitos, e não apenas no ensino técnico da escrita.
O que esses sujeitos buscam não é apenas o status técnico da escrita, mas também a posição de cidadãos críticos dentro da sociedade, a certeza de estar fazendo parte do mundo letrado e assim, sentirem-se “iguais”.
Encerro esse texto trazendo uma pequena frase de GOMES, quando fala de uma conversa com Davi (analfabeto sujeito de sua pesquisa), ao mostrar sua carteira de identidade assinada por ele, esse trecho vem ao encontro do que apresento nesse texto, a busca pela identidade desses sujeitos: “Mais do que mostrar sua carteira, queria mostrar que “é alguém”. (pág. 14, 2010)

Bibliografia

GOMES, Vanise dos Santos. OLHARES SOBRE ALFABETIZAÇÃO. 2010. Texto retirado da internet disponível em www.uab.furg.br, último acesso em 21 de março de 2010.

Daldry, Stephen. Filme O Leitor, 2009.

Um comentário:

  1. Oi, Letícia! Tudo bem? Passei para conhecer seu blog e estou seguindo-o, tá? Também tenho um blog relacionado à temas da Educação. Caso queira me visitar: www.comoeuaprendo.blogspot.com
    Sucesso!

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